Foi ralando que Silvetty Montilla se tornou uma das drag queens mais famosas do Brasil. Era possível ouvir ela fazendo graça da plateia (e dela mesma) na boate Tunnel, na Bela Vista, depois na Lôca, na Consolação e ainda pegar ela cantando suas músicas debochadas nas boates do centro, como a Cantho e a Danger.
Silvetty chegou a fazer nove shows por noite. Agora, a apresentadora de “Academia de Drags”, programa na internet que adapta para a realidade brasileira o formato de competição bem-sucedido de “RuPaul’s Drag Race”, vai dar um tempo da noite. Silvetty correrá atrás do sonho da sua vida: ser atriz de musical.
Começou uma semana atrás a ensaiar para sua estreia. Ela terá um papel fictício no peça biográfica “Cartola – O Musical”, que narra a vida do sambista do morro da Mangueira e está prevista para 10 de setembro, no teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista.
Leia abaixo o resumo de uma hora de conversa com a artista.
A drag queen Silvetty Montilla (Foto Pétala Lopes/Folhapress)
Como está sua vida?
Estou parando tudo. Estou muito feliz que passei no projeto de um musical sobre a vida do Cartola. A partir de segunda-feira, minha vida vai ser um função disso. Vou diminuir os shows. A gente vai ter dois meses de ensaio, e o pessoal diz que é muito puxado, das 14h às 22h. Era o meu sonho. É o segundo teste que faço para musical.
Qual foi o primeiro?
Foi “A Cor Púrpura”, com o Luciana Szafir. Mas eles acabaram não conseguindo montar o musical, por falta de dinheiro.
Como foram os testes?
Os três dias foram na semana da Parada. Não tive tempo de me preparar. Como todo o mundo, tive que cantar duas músicas: “O Mundo É um Moinho” e aquela outra “a sorriiiir, eu pretendo levar a viiiiidaaaa” [“O Sol Nascerá]. Chegando lá, era um monte de atores negros, gente, da Globo, da Record. Fiquei muito nervoso. O segundo dia era no domingo da Parada. Cheguei em casa às seis da manhã e dormi, maquiada. Acordei às sete, tomei um banho de gato por assim dizer e fui. Chegando lá, disseram: “Silvetty, vai você primeiro”. E eu disse: “Cê tá louco? Deixa o nervoso passar”. Foi uma menina que eu conhecia, cantora, e disse: “Gente”. Fui e fiz o meu número, falei: “Oi, gente, sou Silvetty Montilla, modelo, atriz e vendedora de cosmético. Para quem não sabe, cosmético é para beleza”. Falei por três minutos.
Que personagem você vai interpretar?
Não tinha personagem para mim. Daí o Artur Xexeo está escrevendo um personagem para mim. Ainda não sei o que vai ser, mas estou ansioso. Estou feliz, em nenhum momento pensei em dinheiro. Deve ser muito menos do que eu recebo com show, mas só pensei na realização de um sonho. Vou abrir meu leque. Se vai ser bom? Não sei. Tenho amigos que fazem, outros que desistiram porque acham que não vale a pena. Vai ser uma experiência.
Você se sente confortável cantando?
Eu não sou cantor. Não sou bailarino, já fui. Eu sou um ator.
Seu personagem vai ser para a Silvetty Montilla ou para o Silvio?
Pelo que eu vi, vai ser para a Silvetty. Acho que vai ter uma coisa de humor. Não sei dizer nada, só sei que estou no musical.
O quanto vai ter que diminuir os shows?
A partir da segunda-feira [4 de julho], vou falar muito com meu assessor. A Parada Gay de Boa Vista completa 15 anos e eles queriam porque queriam que eu fosse. Mas eu disse: “Minha vida vai mudar da água para o vinho, não sei se vou conseguir”. Estou na mão do musical. Vou conseguir trabalhar aqui em São Paulo. As viagens que eu fazia, tipo Curitiba e Goiânia, não vou poder mais por enquanto. Só lugares próximos, como Sorocaba, Campinas, lugares próximos. Não vou me matar também, vou dar uma maneirada até os shows em São Paulo. Vai ser o primeiro, quero fazer muito bem feito, dar tudo de mim.
Tem planos de parar de fazer shows na noite?
Não vou dizer que cansei, não preciso mais de boate. Vou querer continuar com os meus shows, que é o que eu gosto, quando me sinto bem. Pode voltar, não sei. Mesmo assim, eu corro atrás das minhas coisas. Faço aqui [no Teatro Folha] às sextas-feiras. Tenho um projeto de segundas-feiras que chama “Segunda Dose de Montilla”, que começou no Tom Jazz [em Higienópolis] e agora foi para o Italia Mia [na Bela Vista].
E vontade de fazer TV, você tem?
Vontade eu nunca tive. Mas, sabe uma coisa que eu já comentei? Eu tenho 29 anos de noite. Se Deus me der saúde, serão 30 de noite e 50 de idade no ano que vem, quero fazer um grande evento. Eu não tenho pretensão de lotar teatro. Tenho o público que me segue, LGBT, mas também tem casais, gente que vem me ver. Se por acaso eu estivesse na televisão, seria muito mais fácil. Por essa questão eu adoraria. Já tive muita vontade de fazer com Miguel Falabella, que sou fã, idolatro, é o rei Midas. Mas nada de “Ah, preciso fazer televisão”, não tem isso. Hoje à noite estou no “Ferdinando Show”, do Multishow. Foi maravilhoso. Já fiz participação no “TV Fama”, tive um quadro no “Programa Eliana” por três meses, mas nunca fui contratado fixo, para fazer uma novela ou um programa de humor.
“Academia de Drags”, o programa de competição que você apresenta na internet, é uma porta de entrada para isso?
Acredito que sim. Acabamos de acabar a segunda temporada e a terceira está confirmada. A RuPaul, quando começou era mais fraquinho, primeira, segunda e terceiras temporadas. Mas ela já começou com patrocinadores.
Você me disse na época que ia fazer a primeira temporada por amor, sem ganhar nada. Foi assim com a segunda também?
A gente também fez no amor, com muito mais amor. Hahaha. Mas teve alguns parceiros: 155 Hotel, a Cantho, a Catharine Hills. Só que essa parte eu não cuido. Eu só vou na hora de gravar. Consegui muito jurado, Miguel Falabella, Nadja Haddad, Marcelo Médici.
O Falabella já disse que te admira muito.
Pois é, e eu nem tinha tido coragem de ligar para ele na primeira temporada. Eu tinha convidado a Marisa Orth para a primeira temporada, mas acabou não rolando por questão de agenda. Eu tenho o telefone do Miguel, mas fiquei meio assim de ligar. Ele disse que para a terceira temporada vai fazer uma festa na casa dele aqui em São Paulo e levar Susana Vieira e mais um monte de gente para gravar. Só de ele ter falado isso, e eu tenho certeza que ele cumpre as coisas que eles falam
A terceira temporada será na internet ou vocês vão para a TV?
Teve canais fechados e produtoras que ligaram para mim. Eu passo para o [diretor] Alexandre Carvalho. Ele já disse que para a próxima temporada terá uma coisa melhor. Quem viu a primeira temporada e a segunda viu crescimento de tudo.
Silvetty no camarim do Teatro Folha
Você passou a só aparecer no fim do programa, na segunda temporada, bem menos do que na primeira. Por que isso?
Então, não sei também. Eu ia fazer o que o diretor falava. Nós até conversamos, teve muita gente que mandou mensagem dizendo que eu aparecia pouco. Pode ser por causa do meu tempo, é corrido, é puxado. Sem querer ser melhor que qualquer uma delas, mas eu tenho mais coisa.
Você lê o que comentam sobre você na internet?
Eu não leio. Antigamente eu ficava triste, ficava mal quando falavam mal de mim. Hoje em dia eu falo: “Meu c*!”.
Tem muito hétero entrando no teatro. É diferente se apresentar para o público LGBT e para heterossexuais?
Ou você é bom ou você é bom. Já o público hétero, você fala “Meu cu” e já é motivo para riso. A primeira oportunidade que eu tive de fazer “stand up” foi em Curitiba. Eram dois humoristas homens e eu, e foi maravilhoso. Fiz várias casas e bares aqui em São Paulo. Ontem mesmo fui fazer uma nova, na Vila Mariana. São oportunidades que pintam e você vai.
Você já se apresentou no Comedians, a casa de comédia mais famosa da cidade, na rua Augusta. Como chegou lá?
Foi difícil, mas eu consegui chegar lá. Na verdade, o Vinicius, que é meu assessor, assim que começou a trabalhar comigo, ligou para tentar marcar um show lá. “Silvetty, conheço, maravilhosa, mas não é para nosso público”, foi o que uma mulher que trabalha lá. Depois eles mesmo me ligaram e eu fui fazer show. Fiquei supernervoso, mas rolou.
Você disse que a noite está decaindo. Por quê?
É a crise do país, é muita coisa envolvida. Em muitas boates as pessoas não têm mais pique para parar e ver um bom show. Tem várias casas que têm show: a Blue Space, a Cantho, a Freedom, a Tunnel. Já ganhei muito dinheiro na noite. Continuo ganhando, graças a Deus. Eu nunca disse que sou a melhor, mas sou a que mais trabalha. Eu corro atrás.
Essa moda de drag queen, alimentada por programas como ‘RuPaul’s Drag Race’, não melhorou o mercado?
Está na moda, sim, mas só para as modernas. Tem a drag queen que bate cabelo, a que faz hostess, as plus size. Algumas não têm a hierarquia, de respeitar quem veio antes. Dizem que começou agora. Tem a Miss Biá, que está aí há 60 anos, desde que não era drag queen, era transformista. Tem umas que acham que surgiu RuPaul e criou. Elas não sabem o que é arte. Tem aquelas que só querem dar pinta, vão para a boate montadas. Tem muitas sem talento nenhum. E tem muitas maravilhosas. Eu digo que sou meu próprio espelho: sei o que sei fazer e o que não sei. É a questão da valorização. Eu falo de mim. As pessoas às vezes chamam você e não te valorizam. Não estou menosprezando as que vêm de fora, elas cobram o valor delas. Mas tem umas tão boas quanto aqui que não são valorizados. Aí teve a primeira versão nacional e foram uns gatos pingados.
Por que o público paga, e caro, para ver drag queens gringas e não prestigia as daqui com tanto fervor?
Eles vão porque era… Como chama o negócio de tirar foto? ‘Meet and greet’! Vão e pagam R$ 200, R$ 400. Vou começar a cobrar um real por foto. Às vezes eu fico meio triste. Eu falo mesmo, porque já estou com alguma liberdade, tempo da noite. Não menosprezo ninguém, mas queria que valorizassem quem é daqui. Tem nomes como Marcia Pantera, Veronika que merecem reconhecimento. Reconhecimento financeiro, reconhecimento como artista.
Falando em reconhecimento, você tem suas candidatas favoritas no programa?
Agora posso falar que já terminou. Você tem sempre as suas, né? A Mina de Leon me surpreendeu muito. Eu achei que ela fosse um ator formado, pelas provas que ela fez. Ela de Evita! Eu nem imaginava que ela ia ficar em segundo lugar. Eu achei que a Malonna levaria, por morar em São Paulo, fazer parte da [festa] Priscilla, conseguir mobilizar na internet. Achei que a Sasha Zimmer, que ganhou, pudesse ficar em primeiro ou segundo
E quais as ex-participantes que estão se destacando mais, após o fim do programa?
Essas Hidra e Musa VonCarter. Elas se juntaram e fazem números de musicais. Eu me apaixonei. Para mim, foram as que mais se destacaram da primeira temporada. Elas fizeram um número de “Família Addams”, eu vi, adorei e pedi que fizessem no meu aniversário. A Rita von Hunty tomou outro caminho, tem o programa dela na internet. Cada uma tem corrido atrás.
Você ainda tem que correr atrás?
Claro! O esquecimento é a coisa mais rápida que tem.
(CHICO FELITTI)