“Quando eu dizia que não precisava do dinheiro, que tinha feito porque queria, um repórter português ficou abismado. Não acreditou.” Uns meses atrás, Marisa Orth me contou que a maior incompreensão da sua carreira profissional não passou pelo palco ou pela tela da TV, e sim pelas páginas da “Playboy”.
Toda vez que era questionada sobre o motivo que a levou a se despir para a revista, era sincera: vários fatores, mas não a grana.
Uma lógica parecida permeia um novo movimento editorial LGBT. Fanzines eróticos abundam. Há o mineiro “Chicos”, que virou festa e livro, com financiamento coletivo. No centro de São Paulo nasceu o “Snaps“, que faleceu e agora dará lugar ao mais explícito “KCT”.
Todos usam como modelos gays que posam gratuitamente, mostrando seus rostos, corpos e identidades. O blog conversou com dois deles para saber o que os motivou a vir a público como vieram ao mundo.
Fabiano, 35, meteorologista
O que te levou a posar pelado de graça?
O meu motivo para posar pelado é porque o projeto era do Gianfranco Briceño, [fotógrafo do “Snaps” e criador do “KCT”]. Tipo, teve uns aí que pediram antes, mas não quis.
Teve alguma vaidade envolvida?
Tem o lance de ficar exposto por pura vaidade, sim, numa foto de um fotógrafo de quem eu gosto! A foto tá ali, eu olho pra ela e gosto muito! Eu me comeria. Não tenho problema com nu, com anonimato nem nada. Até minha mãe viu. E aprovou!
Alguém te procurou depois da publicação das fotos?
Sim, no Instagram e no Facebook. Uns foram bem diretos, outros bem simpáticos, mas minha postura sempre foi a mesma. Acho até engraçado. Muita gente com essa fantasia louca de pegar alguém que saiu pelado na revista, num zine , nas redes… Sair pelado é ficar mais exposto. É bom pro ego, saber que tá podendo. Mas cadê jantar? Cade flerte? Povo tá muito direto! Eu, pelo menos, curto um momento romântico de descobrir coisas e tal.
Gabriel Cadete, 28, publicitário
Para que projeto você posou? Quando e onde foi a sessão de fotos?
Eu posei para o “Chicos” (site e livro) e pra “KCT” (zine do Gianfranco, mesmo fotógrafo do ”Snaps”), mas esse último não foi lançado ainda, está na fase de arrecadação. As fotos foram feitas nos apartamentos que eu morava na época de cada projeto.
O que te motivou a posar nu?
Várias coisas. Eu sempre fui muito grilado com minha aparência e com meu corpo. Sempre me achei magro demais. Umas épocas me achava peludo demais, outras de menos. Aí eu decidi achar o meio termo entre aprender a gostar do meu corpo e, ao mesmo tempo, começar a cuidar mais dele. E um dos motivos de tudo isso é que nunca tive ninguém pra conversar sobre o assunto. Como o projeto era, no mínimo, uma conversa sobre isso, achei legal participar. Existem muitos tipos de corpo por aí e todos merecem que seus donos gostem deles. Muitas anos antes, eu saía com um fotógrafo que queria muito me fotografar e eu não deixava exatamente por isso, por ser muito magro, por querer fazer mais tatuagens antes etc. E agora eu estou numa fase diferente, entendendo que nosso corpo não “é”, ele “está”: minhas fotos pelado são de mim em novembro de 2015; hoje eu já sou outro (fiz novas tatuagens, engordei um pouco), amanhã serei outro (terei rugas, cabelos brancos), e por aí vai.
Quanto de vaidade e quanto de ativismo você reconhece na sua decisão?
Sim, tem um pouco das duas coisas, obviamente eu queria mostrar meu corpo pois tenho hoje um orgulho dele que nunca tive na vida, ele sempre esteve muito coberto. Mas foi também pois eu não lembro de ver corpos como o meu na TV, no cinema, em revistas ou em filmes pornôs (que, querendo ou não, acabam sendo o primeiro contato da maioria com o mundo gay) quando eu era jovem. Ainda vejo pouco, na verdade. Ou vemos o magrelo sendo o reprimido, a vítima, o cara que ninguém quer. A parte política foi essa, de representatividade, da ideia de ter corpos “comuns” ali. Talvez algum outro menino magrelo possa ver um ensaio como esse um dia e começar mais cedo a se aceitar?