Então agora você é solteiro. Tá aí sozinho, reaprendendo a andar em dois pés, depois de ser por um tempo uma entidade quadrúpede, lenta, mas estável. Se vê dividido. Reduzido a uma boca, dois olhos, duas pernas e dois braços, que às vezes ficam preenchidos por vazio.
Tem o momento em que parece que arrancaram futuro e passado, deixando só um presente que você não quer abrir. Tem o momento em que a vida parece uma árvore de Natal que nunca é desmontada, cheia de presentes. E tem o momento que nem um nem outro.
Manhãs e altas madrugadas se tornam horas complicadas, quase insuportáveis. Objetos idiotas como xícaras de café sujas por uma semana e meias desparceiradas ganham o poder de te comover por um tempo, pode se preparar. Os domingos esticam de tamanho e ficam enormes como uma casa sem móveis. As fotos passam a ser lâminas.
Como é mesmo que se vive em dose individual?
Vá aos amigos. Eles vão te receber com o sorriso que diz “bem-vindo de volta”. Todo casal não deixa de ser uma ilha. Outros não vão falar contigo assim tão cedo, e não é por mal, mas porque o telefone que está na agenda do seu celular nem é mais o certo. Faz tanto tempo assim? Não parecia.
Vá à família. Seus irmãos, suas primas, suas madrinhas, seus avós, seus cachorros. Sua mãe e seu pai. Eles podem não te entender por um minuto do ano, e você discorda deles na maior parte do tempo, se tiver um quarto de sensatez em si. Mas, havendo justiça na vida, eles te querem bem.
Vá ao cinema. Sente-se no escuro e, sem ninguém te ver, admita o clichê horroroso que é passar por isso. Como existir é comum! Escondido, abrace o seu drama, que parece maior do que o dos refugiados sírios –mas nunca diga isso em voz alta, nem escreva no Facebook. Vá ver algo que vai te fazer rir um pouco também, porque qualquer coisa vai te fazer chorar. O Adam Sandler tá aí para isso.
Vá a tudo menos ao fundo de si mesmo sozinho. É difícil pensar em outra coisa que não em você agora, é verdade, mas periga você se perder. E tá tudo bem caso se perca um pouco. As coisas práticas que esperem, ou que se fodam se não puderem esperar um pouquinho.
Vá ao encontro do seu corpo. Cansado, ele te faz lembrar que você é tripa e sangue e músculos outros que não o coração. Esporte é canseira. Balada é canseira. Conversas de quatro horas são canseira. E o cansaço é uma conquista só sua.
Vá a encontros, quando for hora. Você vai ter que sair num date. E ser a melhor versão de você. Então lembre-se do seu ângulo mais anguloso. Enfie-se na sua camisa mais bonita. Ensaie as mais impressionantes histórias que dá para ordenhar da sua vida sem mentir –muito. Essas são suas armas pra voltar à guerra que é amar. “Eu queria ser a pessoa que finjo ser no primeiro encontro”, já diria Gael Rodrigues, o itabaianense mais paulistano do centro.
Mas, antes de sair, olhe-se bem no espelho. Reconheça os pedaços de você que vieram da pessoa que você amou até anteontem. Agradeça. Ela continua com você, por mais que não esteja mais aí. E siga em frente. Porque agora você é solteiro.
(CHICO FELITTI)