Aberta na última semana na Bela Vista, centro paulistano, a Casa1 é uma república custeada com uma vaquinha virtual para dar abrigo a LGBTs maiores de 18 anos que são expulsos de casa por serem quem são.
Cada morador pode ficar lá por até três meses –o período pode ser prolongado ou encurtado, dependendo das circunstâncias. A modelo Maria Letícia Manauara, 24, foi a primeira a chegar lá. Mora no sobrado de dois andares desde janeiro, quando o lugar ainda estava em obras.
Conheça parte da sua trajetória contada por ela mesma:
“Meu nome é Maria Letícia. Mas todo mundo me chama de Manaura, porque eu sou de Manaus. Nas redes sociais eu uso Manauara Clandestina. Tenho 24 anos e moro aqui na Casa1 desde janeiro. Fui a primeira a chegar.
Estava morando em Campinas, numa república, mas daí acabou a grana e tivemos que sair. Não tinha onde ficar. Um fotógrafo me disse que iam abrir aqui. Disse para eu mandar uma mensagem, que eles iam demorar para responder, mas iam responder. Mandei e não demorou nem dois dias. O Iran [Giusti, jornalista e ativista que fundou o lugar] até enviou uma grana pra mim, me ajudou a vir de volta pra cá.
Entrei quando ainda estava em obras. A gente ajudou a organizar, limpar, fazer de um tudo. Aquela ali, no canto, entre as duas janelas, é minha cama. Estamos em cinco pessoas atualmente, mas acho que cabe umas 20 pessoas aqui. Um menino que chegou hoje foi expulso de casa pela família, que descobriu que ele era gay, ontem.
A gente se dá bem. É bom ver que as pessoas passam por umas coisas parecidas. Sou a mais velha, então tento ser firme.
Eu quero continuar modelando. A moda precisa de uma visibilidade travesti. Se estilistas e fotógrafos precisarem de uma modelo, saibam que eu estou aqui. É o que eu amo fazer. Também toco em festas. Toquei recentemente numa que chama Afrontamento, de ritmos afro.
Sou filha de pastores evangélicos. Comecei a fazer faculdade de design, mas não era a minha.
Até eu me assumir, era uma coisa, depois virou completamente outra. Pararam de me chamar para o almoço. Ameaçaram me expulsar. Eu disse que não ia sair, não tava causando problema para ninguém. Mas acabei saindo e vindo para São Paulo. A gente não tem mais contato.
Tive que fazer vários lances nesse percurso. Eu não gosto de fazer programa. Tem as amiga que fazem com prazer, tão lá e curtem. Eu não. Apanhei pra porra na rua. Já tive que correr pra não morrer, aqui no centro. Já dei porrada também. É louco agora morar aqui, me sentir acolhida no centro da cidade em que já fiquei desalojada.”
(CHICO FELITTI)